julho 16, 2014

Histórias de um Volkswagen metido a New Beatle

Esse post se perdeu quando eu escondi o Hell'z Club (por vergonha do que estava escrito lá). Agora que estou mais velho, tenho menos vergonha das bobagens que fiz e dos maus escritos que digitei. Esse texto é de 2000 (ou antes eu acho), era um gurizinho. Enjoy!

Histórias de um Volkswagen metido a New Beatle

Tenho um amigo desses que você nunca se lembra do nome a não ser do apelido pelo qual até mesmo seus familiares o chamam, "Guri" é o nome dele, alias, o apelido. Mas pra mim ele se chamava Guri mesmo, Guri da Silva, ou melhor, Guri Baracy, irmão do Rafael Baracy, gaúcho infamemente conhecido como "Cacetinho", nos pagos de Florianópolis, graças a um pedido mal formulado em uma padaria barriga verde.

Então, o Guri tinha um autêntico Fucão Volkswagen, de uma cor que eu não sei precisar direito, mas variava entre o verde abacate e o branco sujo, ou seja, cor de burro quando foge. Isso sem contar o "chão" do carro que em algumas partes, devido a ferrugem cultivada em estágio avançado, dava pra ver o asfalto abaixo de nós.

Este fucão passou por diversas aventuras, e começou a ser conhecido como Fucão da Wyrm depois de episódios estranhos, pra não dizer surreais, como 7 pessoas no banco de trás e um gordão, de 2 metros e pra lá de 100kg, no banco da frente. Até pra Florianópolis este fucão já foi.

Mas a aventura mais fantástica dele será contada como segue nesta lenda (assim contada pelo menestrel Sérgio Henrique Schüler, filho de Sérgio Schüler, filho de Eitel Frederico Schüler, aquele que tem vários filhos espalhados pelo mundo):

Um dia decidimos ir a Pelotas jogar rpg, era um projeto chamado Brasil by Night, onde várias cidades do Brasil (e posteriormente do mundo no One World by Night) interagiam entre sí. Era divertido, conhecíamos pessoas, viajavamos, tiravamos casquinhas das melhores mulheres e passavamos MUITO trabalho. Em Pelotas (a cidade que tem uma placa dizendo "Venha comer nóz") tinha um povo muito legal (e umas mulheres delíciosas), então eu, o Guri, o Rafa e o Mateus (amigos e praticamente irmãos) decidimos pegar o fucão e nos aventurar até o interior do Estado pra jogar o maldito rpg. Que conste aqui que já tinhamos ido a Pelotas de ônibus, porém, teoricamente, gastariamos menos indo de carro, nós 4 e a ex-noiva do Guri, que foi sabe-se lá pra que, já que ela não joga e nem nunca jogou.

Em um sábado ensolarado, eu fui o último a ser pego em casa, sentei no banco de trás junto com o Mateus e o Rafa, enquanto na frente iam o Guri e a sua ex-noiva, na época apelidada, como não poderia deixar de ser, Guria. Abastecemos o fucão até encher o tanque, o que significava mais gasolina do que o carro jamais tinha vista em toda sua longa vida. Calibramos os pneus com libras praticamente aleatórios que o "expert" Mateus sugeria como sendo corretas, do ponto de vista Klingon talvez.

Saimos em busca da estrada, cantando, pois rádio o fucão não tinha. Emoções fortes nos aguardavam. Já na saída de Porto Alegre a primeira surpresa: um cheiro esquisito dominava todo o carro. Paramos e para nosso desespero o carro estava superaquecendo e queimando óleo a dar com pau. O Mateus e o Rafa (em um calderão infernal onde o asfalto era a panela e nós o recheio) sairam andando atrás de um posto de gasolina pra comprar óleo. Imbecis, tinha um roller a disposição dentro do carro, sabe-se por que, e só perceberam isso depois de torrarem no sol e voltarem com o óleo para o motor.

Enquanto o óleo não vinha, eu amaldiçoava a idéia de ir de fuca e não de ônibus, o Guri amaldiçoava o carro e a Guria amaldiçoava ter entrado nesta furada por ciúmes de deixar o noivo ir sozinho e Deus amaldiçoava nosso caminho.

Quase 30 minutos de sol na moleira e o óleo chega. Improvisamos um funíl com jornal e o Rafa teve a estúpida idéia de jogar o óleo a uns 5 metros de distancia do funíl, o que provocou, por causa do vento, um derramamento de óleo em todas as partes do carro, menos onde se põe o óleo. Então tínhamos um funíl limpo, uma garrafa com menos óleo, um motor de fuca cheio de óleo e um Mateus todo lambusado de óleo (ele segurava o funíl).

Arriscamos ligar o carro, o óleo derramado em cima do motor começou a torrar e o cheiro era insuportável, mas seguimos viagem, aventureiros muito corajosos nós somos. Nem pensamos em voltar para nossas casas com as orelhas baixas. Um engano terrível, descobrimos depois.

Andavamos alguns quilômetros e tinhamos que parar por causa do superaquecimento do carro. E quando eu digo alguns, não digo 10 ou 20, digo 2 ou 3 quilômetros. Depois da 10a parada, por aí, há uns 20km de Porto Alegre, adentramos uma cidadezinha, talvez Santa Rita, talvez não, e procuramos um mecânico. Notei que alguns patos sobrevoavam o carro, como se o fuca fizesse parte do bando que voava para o sul, mas naquele instante não entendi a mensagem. Somente posteriormente saquei o sarcasmo da piada.

Batemos na porta do mecânico, um gurizão de Havaiannas e calção, de no máximo 25 anos, nos atendeu. Ele era o mecânico. Era tudo que tínhamos, então descrevemos o problema a ele. Inclusive nossa pretenção de chegar a Pelotas, que foi imediatamente recebida com espanto pelo rapaz. Nos aconselhou a voltar pra Porto Alegre, pois o carro não estava em boas condições, mesmo com o conserto que ele faria. Ligou o carro e observou por 2.5 segundos o funcionamento do motor e exclamou:

- Vou te dar o veredito: é a bobina, fuca é assim, eu tinha um, pode contar que é a bobina. Quando estraga é bobina.

Trocamos alguns olhares de desconfiança entre a gente, algum de nós perguntou se ele tinha a tal bobina e outros ponderavam o que ele queria dizer com "veredito", seria ele um juíz? Ele disse que não tinha a bobina, mas ia checar na ferragem, se estivesse aberta. Sabe como é, sábado em cidade de 1a (engata a 2a e já saiu da cidade) é fogo.

Então o cara pegou uma moto, arrancou, dobrou na esquina e 2 segundos depois ele já estava retornando, e quando falo 2 segundos não estou exagerando, pra mim parecia que ele apenas tinha dobrado a esquina e voltado. Amaldiçoamos nossa sorte, com certeza estava fechada a ferragem.

O cara pára a moto e declara:

- Vocês estão com sorte.
A gente não entende e um silêncio perturbador paira no ar, apenas alguns patos e marrecos eram ouvidos, sabe-se lá de onde vinham, mas estavam lá.
- Tava aberto. Tem a bobina Bosch, que é de R$20,00, que vai te durar a vida inteira e a de R$15,00, que vai te dar problema de novo um dia desses. Qual vocês querem? – complementou o mecânico espertalhão.
- A de quinze, claro. - Praticamente em coro respondemos depois de mais uma troca de olhares, considerando nossas parcas economias e a probabilidade remota do fucão durar mais de 5 anos. Ou seja, qualquer remendo servia, só queríamos chegar a Pelotas.
O cara ficou baratinado e começou a gaguejar:
- Não, não, só tem a de Bosch, de vinte reais.
Estavamos claramente sendo enganados. Enquanto eu sorria, de raiva, o Mateus já se preparava pra discutir e o Guri sentia pena do bolso. O Rafa provavelmente estava pensando em alguma forma de assassinar o rapaz. O importante é que em menos de 10 minutos de conversação o cara já tinha mentido pra gente. Isso não estava bem.
Uns 5 minutos tentamos argumentar, mas ele estava com a situação sob seu controle. É foda. Aceitamos, ele pegou a grana e fez a mesma coisa, foi até a esquina e 4 segundos depois voltou. Muito improvável que ele tenha comprado neste meio tempo, só se for uma espécie de drive thru, mas na verdade eu cria que ele gritava de um lado "bobina Bosch" aí o cara arremessava a bobina, enquanto ele dava a volta na rua, e ele atira a grana pro cara da loja. Só assim seria tão rápido. Raça maldita essa, mecânicos honestos vão pro céu, direto.

Então ele estaciona sua motoneta e diz:
- Que sorte, consegui um desconto pra vocês. Saiu por R$18,00.
Nos olhamos e seguramos o riso (ou o choro). Será que ele realmente acreditava que nós estávamos engolindo aquilo?

Em cerca de 2 minutos ele trocou a bobina velha pela incrível e possante bobina Bosch. O carro sem dúvida, pela propaganda do mecânico, ganharia uns 5 mil de valor de mercado só por conter a super ultra max hyper mega power bobina Bosch.

Segundo o cara, estava pronto, ligamos o carro e agradecemos:
- Obrigado, cara.
- Obrigado não, eu vivo disso. – o mecânico retruca.
- Hum? – Percebemos que o golpe ainda não tinha acabado, mas nos fizemos de desentendidos.
- É dez pilas.
Chíamos, mas não adiantava mais, já tinhamos criado penas e bicos de pato. No fim, pagamos o maldito mecânico e seu veredito from hell.

Seguimos viagem, desta vez, "voando" entre surreais 40km/h e 60km/h e parando "apenas" de 1h em 1h, um verdadeiro progresso.


Já de noite, aproximadamente 1h de Pelotas o ponteiro da gasolina cai drasticamente. Eu havia advertido que seria necessário abastecer, mas o Guri preferiu passar o posto e abastecer no próximo. Detalhe é que não havia próximo. "Seguramos" com os olhos o maldito ponteiro e finalmente chegamos (com várias horas de atraso) em Pelotas. Todos os sensatos que utilizaram o ônibus já estavam lá. Só faltava a gente mesmo.

Jogamos toda a noite. Uma mistura de teatro e jogo. No fim era um grande pretexto pra conhecer pessoas e dar beijos em pescoços desavisados. Perto de amanhecer, fizeram uma ULTRA propaganda de um café que eles costumavam todos ir depois dos jogos. Aceitamos a idéia, cafés são legais e, no caso de Pelotas, deveria ser algo de estilo antigo, como toda a cidade.

Andamos bastante a pé, e chegamos no dito café. Decepção total, era uma lanchonete que servia café expresso. Só isso. E eu estava sentindo uma estranha dor nos olhos, provavelmente por causa das lentes de contato estarem há muito tempo nos meus olhos.

Dormimos na casa do Maurício Tremere, um gordão de uns 2 metros, mais de 100kg e todo esse espaço recheado de simpatia. A Guria, que não jogava, ficou lá, trancada com milhares de mosquitos maiores que um olho e um velho, o vô do Maurício, que acorda no meio da noite para cuspir, pelo menos é o que parece, talvez fosse algum ritual voodoo ou algo do gênero. Jamais saberemos. Velhotes são misteriosos.

No outro dia nos preparamos pra voltar. Na saída da cidade abastecemos o fucão, compramos uns refrifgerantes e tiramos as últimas fotos. Finalmente voltando para casa. Depois de uns 25 minutos de estrada percebemos algo errado. E desta vez não era com o carro, mas com o motorista. Sim, estávamos indo pro lado errado, rumo a Rio Grande, volta tudo, se perde um pouquinho em Pelotas e voltamos a nosso rumo normal. Meus olhos ardiam cada vez mais, mesmo eu estando sem lentes.

O carro continuava com problemas o que nos fazia rir de toda forma sobre "o veredito" da bobina. Sendo que a solução de todos os problemas do fucão estava na pequena bobina (Bosch, que fique bem claro). Quebrou o vidro? Troca a bobina! Furou o pneu? Bobina, claro! Acabou a gasolina? Nada melhor que uma bobina nova pra resolver todos os problemas.

Em uma das inevitáveis paradas do carro, todos descemos do carro, olhamos um pra cara do outro e não seguramos: começamos a rir desesperadamente, gargalhadas eram ouvidas no asfalto, apontavamos um para o outro e não dava pra segurar a piada. Eramos patos de carteirinha, mas patos audaciosos, talvez até mesmo poderiamos ser chamados "os patos que estiveram onde nenhum outro jamais esteve". Bem, depois de cerca de 15 minutos de risadas, voltamos ao carro e seguimos viagem.

Mais ou menos no meio do caminho, mais pra mais que pra menos, decidimos parar em um destes megapostos para excursões e caminhoneiros, alguém queria chocolates e estacionamos. Era uma espécie de "Japonês" não temático, com placas da Coca-cola em toda a volta do quadrado de alvenaria. Entramos, pedimos e pegamos coisas comestíveis e beberantes, aproveitando pra deixar o carro descansando novamente, ficamos do lado de fora do estabelecimento, mastigando e olhando o movimento. De repente, duas velhotas surgem de dentro do estabelecimento falando:

- Será que a gente não demorou muito? – uma delas pergunta.
- Não sei – as duas param e esta apontando para um ônibus em movimento completa calmamente: - Ih! Olha lá o nosso ônibus indo embora!
- Ih! Ficamos na mão. – mais calma ainda a outra velhota responde.
- Então vamos entrar e comer mais um pouco.

E de fato elas entram. Não resistimos e mais uma vez tivemos nossos acessos de risadas e, como não poderia deixar de ser, durante mais uma hora, era a piada da vez.

Depois desse incidente, nada de mais bizarro aconteceu, com excessão das paradas obrigatórias do fucão. Está foi só uma das aventuras deste carro, mas várias outras aconteceram: como a viagem a Floripa (já Powered by Bosch), idas ao Fim de Século com 7 pessoas no banco de trás, etc, etc, etc...

Destino de nossos heróis, vilões e figurantes:

Fucão – foi vendio e hoje em dia encontra-se nas mãos do mecânico do veredito.

Guri - há algum tempo vendeu o fucão, comprou um Escort (que também tem várias histórias bizarras) e agora mora em Florianópolis com sua mãe, sabe-se lá até quando. Meu irmão, já estou com saudades, isso que você foi pra lá ontem. Largou o RPG e jamais retornou a Pelotas.

Rafael – mora com sua esposa na casa dos pais dela e faz parte do call center do Terra, participou de diversas aventuras junto de Mateus e Sérgio, incluindo a Saga de Curitiba. Largou parcialmente o RPG e jamais retornou a Pelotas (pelo menos pra jogar RPG).

Mateus – é programador, pai de um filho e padrasto de outro, continua disputando com Sérgio o prêmio de maior contador de histórias desde os tempos da Saga de Curitiba. Largou (dizem) o RPG e jamais retornou a Pelotas.

Sérgio – é redator publicitário e se dedica ao hobby do jornalismo gonzo, mesmo sabendo que não é bom nisso. Pretende escrever sobre a Saga de Curitiba, da qual participaram ele, Mateus e Rafa. Largou parcialmente o RPG e pra matar a saudade do fucão comprou um Fiat Uno 93, também conhecido como Trovão Azul. Jamais retornou a Pelotas.

Aline (ex-Guria) – separou-se do Guri e perdeu o apelido pra sempre. É comissária de bordo e hoje em dia mora em SP, vindo de vez em quando para Porto Alegre pra visitar a família e motéis aleatórios. Jamais retornou a Pelotas.

Velhotas do posto – continuaram comendo no similar ao "Japonês" por um bom tempo até que um dos vendedores reconheceu o retrato de uma delas em uma caixa de leite.

Mecânico do veredito – comprou o fucão de um picareta e está feliz com sua bobina Bosch.

Meninas de Pelotas – ficaram esperando, sem sucesso, o telefone tocar no dia seguinte.

RPG – foi acusado de matar velhinhas e garot@s virgens em rituais satânicos, quando na verdade as pessoas que fizeram isso é que são afetadas.